Na modernidade vivemos em um contexto muito diferente do experimentado pelos nossos ancestrais. Temos abundância de alimentos, principalmente comidas altamente calóricas, ambiente controlado e muito mais seguro, sem falar de uma rotina predominantemente sedentária. Em toda história do sapiens o animal humano nunca teve abundância de alimentos altamente calóricos e rotina física quase inexistente, afinal, passamos boa parte do dia sentados ou em atividades que contam com atalhos: carros, escadas rolantes e muitas ferramentas que nos poupam de esforço físico.
O professor de Harvard, Daniel Lieberman, autor do livro “A história do corpo humano” (2013) reflete nessa obra sobre a evolução do corpo humano, trazendo também o conceito de doenças de desajuste. Quando há excessos e esse volume cria descompassos nunca antes experimentados, temos doenças do “excesso”, ou seja, doenças de desajuste. Podemos pensar a obesidade para entender as doenças de desajuste. Nunca tivemos tanta oferta energética como nas últimas décadas, evento iniciado pela revolução industrial com sua produção em massa e o barateamento de alimentos. Essa oferta criou um superávit energético no corpo humano, pois há ingestão de calorias que vão além da necessidade diária, o resultado é a acumulação em forma de gordura corporal.
O corpo humano é uma fabulosa máquina de poupar e acumular energia[1]. Moldados por milhares de anos de evolução, nossos ancestrais experimentaram escassez de alimentos. Seus corpos foram moldados para aproveitar cada recurso, acumulando para tempos difíceis. No entanto, quando olhamos para a sociedade moderna através das lentes da evolução, notamos que o uso do corpo humano está na contramão de sua engenharia e funcionamento ideal. O indivíduo moderno come muito e mal, faz cada vez menos exercícios físicos, passa longas horas sentados e dorme mal. Vive de forma a prejudicar o funcionamento ideal do corpo. O excesso energético cria grandes volumes de gordura subcutânea, a falta de exercício físico produz descompassos hormonais e outros problemas, e quando a cascata se forma, surgem as doenças de desajuste.
As doenças de desajuste são modernas, pois são resultado do excesso, de um estilo de vida que não faz uso apropriado do corpo. Não evoluímos para esse estilo de vida sedentário e abundante. Quando o corpo é exposto a essa realidade, fruto da cultura, é experimentado novas doenças. Diz Lieberman: “Diabetes tipo 2, doenças cardíacas e câncer de mama têm todas essas características. São promovidos por numerosos e complexos estímulos ambientais, mais especialmente por novas dietas e inatividade física, mas também por se viver mais longamente, amadurecer-se mais cedo, usar mais controle de natalidade e outros fatores.”[2]
Como vivemos de forma diferente e com novos estímulos ambientais, o corpo humano experimenta novas doenças. Uma dieta ruim, falta de exercício e sono de baixa qualidade causam diversos problemas, o que gera um efeito em cascata que produz doenças não experimentadas por algumas gerações atrás. O autor faz uma bela pesquisa sobre a evolução do corpo humano e mostra como a lenta da história evolutiva pode ajudar as ciências a encontrar soluções para problemas tão novos e complexos.
[1] “Parte 1, Macacos antropóides e seres humanos”, A história do corpo humano, Daniel Lieberman, 2013, Zahar.
[2] “Parte 3, O presente, o futuro”, A história do corpo humano, Daniel Lieberman, 2013, Zahar.